A Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) divulgou a edição 853 do Informativo de Jurisprudência. A equipe de publicação destacou dois julgamentos nesta edição.
No primeiro processo em destaque, a Terceira Turma, por unanimidade, decidiu que a realização de sessão de julgamento virtual assíncrona durante o recesso forense é nula, por violar o direito de defesa e a garantia de suspensão dos prazos processuais. A tese foi fixada no REsp 2.125.599, de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.
Em outro julgado mencionado na edição, a Quarta Turma, por unanimidade, definiu que as plataformas destinadas às transações de criptomoedas respondem objetivamente por transação fraudulenta quando verificado que a transferência de bitcoins ocorreu mediante utilização de login, senha e autenticação de dois fatores. O REsp 2.104.122 teve como relatora a ministra Isabel Gallotti.
Conheça o Informativo
O Informativo de Jurisprudência divulga periodicamente notas sobre teses de relevância firmadas nos julgamentos do STJ, selecionadas pela repercussão no meio jurídico e pela novidade no âmbito do tribunal.
Para visualizar as novas edições, acesse Jurisprudência > Informativo de Jurisprudência, a partir do menu no alto da página. A pesquisa de informativos anteriores pode ser feita pelo número da edição ou pelo ramo do direito.
O novo episódio do podcast STJ No Seu Dia já está no ar e traz um bate-papo com Vânia Maria Soares Rocha, assessora-chefe da Assessoria de Apoio a Julgamento Colegiado (AJC) do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ao lado dos jornalistas Thiago Gomide e Fátima Uchôa, Vânia explica o papel estratégico da AJC na organização e na condução das sessões colegiadas da corte, tanto presenciais quanto virtuais.
Na conversa, a assessora detalha as principais atividades realizadas pela equipe da AJC antes, durante e após os julgamentos, além de apresentar os bastidores do trabalho que resultou, em 2024, na publicação de mais de 153 mil acórdãos e na atuação em mais de 600 sessões.
Ela também fala sobre a importância do secretário de sessão, o uso de sistemas eletrônicos para garantir o bom funcionamento dos julgamentos, o apoio aos ministros e os canais de atendimento que facilitam a comunicação com os advogados. Outro destaque do episódio é a recente integração da AJC ao Centro Judiciário de Solução de Conflitos.
STJ No Seu Dia
Produzido pela Coordenadoria de TV e Rádio do STJ, o podcast traz, semanalmente, entrevistas com linguagem simples e acessível sobre questões institucionais ou jurisprudenciais do Tribunal da Cidadania. O conteúdo é veiculado às sextas-feiras, às 21h30, na Rádio Justiça (104,7 FM – Brasília) e também está disponível no canal do STJ no Spotify e em outras plataformas de áudio.
Responsável pela interpretação, em última\r\ninstância, do direito federal infraconstitucional, o Superior Tribunal de\r\nJustiça (STJ) tem consolidado uma ampla jurisprudência sobre o concurso de\r\ncrimes – instituto que regula a aplicação da pena nas hipóteses em que o agente\r\ncomete mais de um delito. As três modalidades desse instituto descritas no\r\nCódigo Penal – o concurso material, o concurso formal e a continuidade delitiva\r\n– impactam diretamente no cálculo da pena, e o enquadramento do caso concreto\r\nem uma delas pode motivar intensas discussões jurídicas.
Nessas controvérsias, o STJ busca um equilíbrio entre a necessária repressão à criminalidade e o respeito aos princípios da proporcionalidade e da individualização da pena. Esta matéria apresenta julgamentos da corte que analisaram hipóteses de concurso formal e concurso material, destacando distinções entre as duas modalidades em meio a debates que frequentemente também envolveram o conceito de crime único e a ideia de consunção.
No dia 29 de junho, a segunda matéria da série sobre crimes em concurso vai tratar da continuidade delitiva (ou ##crime continuado##).
Limites para o benefício da suspensão do processo
No ano 2000, a publicação da Súmula 243 consolidou na jurisprudência do STJ o entendimento de que o benefício da suspensão condicional do processo não se aplica às infrações penais praticadas em concurso material, concurso formal ou sob a forma de continuidade delitiva, quando a pena mínima, resultante do somatório ou do aumento decorrente de majorante, ultrapassar o limite de um ano.
Um dos precedentes que fundamentaram a súmula foi o RHC 7.779. No caso, a defesa questionava decisão do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo que havia negado a suspensão condicional do processo com base no entendimento de que, para efeito de aplicação do benefício, deveria ser considerado o acréscimo de pena decorrente do concurso de crimes. O ministro Felix Fischer (aposentado), relator, confirmou essa linha de raciocínio, ao afirmar que, para a análise dos requisitos do artigo 89 da Lei 9.099/1995, é necessário computar as majorantes que incidem na pena mínima, inclusive aquelas oriundas de continuidade delitiva.
Segundo o ministro, o fato de a pena mínima ultrapassar um ano – ainda que por força de acréscimos legais do concurso de crimes – impede a concessão do benefício. Em seu voto, Fischer refutou o argumento de que, para fins de suspensão do processo, as penas deveriam ser analisadas isoladamente, como se faz no cálculo da prescrição. Para ele, aplicar esse raciocínio ao benefício previsto na Lei dos Juizados Especiais resultaria em distorções graves, como equiparar situações jurídicas substancialmente distintas e permitir o mesmo tratamento a quem responde por um ou por vários delitos.
O relator também alertou para os riscos de subjetivismo na concessão do benefício, caso se ignorassem a gravidade da conduta e o número de infrações. Ele afirmou que a suspensão do processo pressupõe critérios objetivos, e que permitir sua concessão sem considerar a pena total – incluindo os aumentos legais – seria dar tratamento igual ao que é evidentemente desigual.
Posse e distribuição de pornografia infantil são crimes autônomos
Para o relator do recurso, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, é perfeitamente possível que alguém compartilhe conteúdo pornográfico infantojuvenil sem armazená-lo, assim como é viável que se armazene esse tipo de material sem necessariamente transmiti-lo. "São efetivamente verbos e condutas distintas, que têm aplicação autônoma", declarou.
Em seu voto, o ministro reforçou que é "plenamente admissível" a hipótese de uma pessoa localizar conteúdo ilícito na internet e repassá-lo a terceiros – caracterizando o verbo "disponibilizar" do artigo 241-A – sem que esse material fique registrado em seu dispositivo.
Da mesma forma, destacou que o conteúdo pode ser apenas armazenado, seja em um computador, seja em nuvem, sem que ocorra qualquer forma de compartilhamento ou divulgação, o que configuraria unicamente o crime do artigo 241-B. "Não há se falar em consunção, estando devidamente demonstrada a autonomia de cada conduta, apta a configurar o concurso material de crimes", disse.
Concurso formal não autoriza estender perdão judicial concedido a um dos crimes
Sob relatoria do ministro Rogerio Schietti Cruz, a Sexta Turma decidiu que o fato de os delitos haverem sido cometidos em concurso formal não autoriza a extensão dos efeitos do perdão judicial concedido para um dos crimes, se não ficou comprovada, quanto ao outro, a existência de vínculo subjetivo entre o infrator e a outra vítima.
No julgamento do REsp 1.444.699, discutiu-se a validade do perdão judicial concedido a réu denunciado por homicídio culposo no trânsito, praticado em concurso formal contra seu namorado e um amigo. A defesa alegou ausência de violação ao dever de cuidado e, alternativamente, pleiteou o perdão judicial com base no sofrimento emocional do acusado, que mantinha vínculos afetivos com as vítimas. A sentença acolheu parcialmente a tese defensiva e extinguiu a punibilidade.
Contudo, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) afastou o perdão em relação ao amigo do réu, determinando o retorno dos autos para fixação da pena. Ao STJ, a defesa sustentou que, em casos de concurso formal, o perdão judicial não poderia ser aplicado de modo fracionado, pois o sofrimento do agente decorreria do evento como um todo. Pleiteou, assim, a restauração do perdão judicial integralmente.
O ministro Schietti esclareceu que o sofrimento psíquico capaz de tornar a pena desnecessária – justificativa para o perdão judicial – deve ser analisado a partir do estado emocional do autor do crime culposo. Segundo o relator, a doutrina exige, para aplicação do perdão previsto no parágrafo 5º do artigo 121 do Código Penal (CP), um vínculo afetivo prévio entre o réu e a vítima, já que a dor profunda costuma ocorrer quando há laços pessoais. Como o TJSP entendeu não haver prova clara de ligação afetiva com ambas as vítimas, o ministro considerou correta a negativa de dupla aplicação do perdão judicial.
Schietti alertou que aceitar a alegação de sofrimento intenso sem a exigência de vínculo abriria brecha perigosa na lei, banalizando a tese em casos de homicídios culposos no trânsito. Para o ministro, rever a conclusão das instâncias ordinárias, como pretendia o recorrente ao alegar forte vínculo com o amigo, exigiria reexame de provas, o que é vedado em recurso especial pela Súmula 7. O relator ressaltou que o concurso formal não permite a extensão do perdão judicial a todos os delitos, pois, embora concentre a pena, não afasta a responsabilização por cada um dos crimes cometidos.
\r\n
\r\n \r\n
Tratando-se o perdão judicial de uma causa de extinção da punibilidade de índole excepcional, somente pode ser concedido quando presentes os seus requisitos, devendo-se analisar cada delito per si, e não de forma generalizada, como quando ocorre a pluralidade de delitos decorrentes do concurso formal de crimes.
\r\n ##REsp## 1.444.699
Ministro Rogerio Schietti Cruz
Arma ilegal na posse de traficante pode ser crime autônomo
O entendimento foi fixado pela Terceira Seção ao julgar o Tema 1.259 dos recursos repetitivos, sob a relatoria do ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Na ocasião, o colegiado considerou que o princípio da consunção resolve o conflito aparente de normas penais quando um delito se revela meio necessário ou normal na fase de preparação ou execução de outro crime. "Nessas situações, o agente apenas será responsabilizado pelo último crime. Para tanto, porém, é imprescindível a constatação do nexo de dependência entre as condutas, a fim de que uma seja absorvida pela outra", apontou o relator.
O ministro salientou que as turmas criminais do STJ já haviam consolidado o entendimento de que, quando o uso da arma de fogo está diretamente ligado ao sucesso dos crimes previstos nos artigos 33 a 37 da Lei de Drogas, ocorre a absorção do delito de porte ou posse ilegal de arma. Caso contrário, deve ser reconhecido o concurso material, hipótese em que as penas dos dois crimes são somadas.
Apreensão de mais de uma arma no mesmo contexto fático caracteriza delito único
Em 2017, a Quinta Turma, ao julgar o HC 362.157, reafirmou o entendimento de que a apreensão de mais de um exemplar de arma de fogo, acessório ou munição, em um mesmo contexto fático, não caracteriza concurso formal ou material de crimes, mas delito único.
O caso analisado envolveu um homem condenado em primeiro grau à pena de seis anos em regime inicial fechado, pela prática, em concurso material, dos crimes de posse ilegal de arma de fogo de uso restrito e de artefato explosivo, previstos no caput e no parágrafo único, inciso III, do artigo 16 da Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento). Inconformada com a sentença, a defesa interpôs apelação, mas o tribunal de segundo grau manteve integralmente a condenação.
No recurso ao STJ, a defesa argumentou que os dois delitos decorreram de um único contexto fático: o réu foi surpreendido com ambos os objetos ilícitos – a arma e o explosivo – ao mesmo tempo, sem que houvesse pluralidade de ações ou objetivos distintos. Para a defesa, trata-se de crime único, o que afastaria o concurso material e implicaria a redução da pena e a readequação do regime prisional.
O ministro Reynaldo Soares da Fonseca, relator do habeas corpus, explicou que a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de reconhecer a existência de crime único quando são apreendidos, com o mesmo agente e no mesmo contexto fático, mais de um item em situação irregular (arma, munição, acessório ou explosivo). Nesses casos, segundo o ministro, não se aplica o concurso material ou formal, pois há apenas uma lesão ao bem jurídico tutelado – a segurança pública.
No caso analisado, o relator observou que o réu foi condenado por dois crimes distintos – posse de pistola 9 mm e de granada – com base no artigo 16, caput e parágrafo único, inciso III, da Lei 10.826/2003, o que levou à aplicação do concurso material pelas instâncias ordinárias. No entanto, para o magistrado, essa interpretação configura constrangimento ilegal, uma vez que, como reiterado pela corte, deve-se reconhecer a existência de delito único quando as condutas se inserem no mesmo contexto e se referem ao mesmo tipo penal.
Corrupção de dois adolescentes configura dois crimes autônomos
Ao julgar o REsp 1.680.114, a Sexta Turma definiu que a prática de crimes em concurso com dois adolescentes dá ensejo à condenação por dois crimes de corrupção de menores. Na decisão, o colegiado considerou que, sendo a formação moral da criança e do adolescente o bem jurídico protegido pelo tipo penal, a corrupção simultânea de dois menores, cujo amadurecimento é comprometido por estímulo à prática criminosa ou à permanência no meio delituoso, configura a violação autônoma de dois bens jurídicos, o que justifica a dupla condenação.
No caso, os réus foram condenados em primeira instância pela prática de roubo qualificado e de corrupção de menores, esta última em duas ocasiões distintas, em concurso formal. Mesmo diante da participação de dois adolescentes, o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), entendendo que se tratava de crime único, afastou o concurso formal entre os delitos de corrupção de menores e reduziu a pena.
No recurso ao STJ, o Ministério Público estadual alegou que a prática criminosa com a participação de dois adolescentes configura dois crimes autônomos de corrupção de menores, não um único delito, e por isso o concurso formal deveria ser mantido.
O ministro Sebastião Reis Júnior, relator do recurso, afirmou que essa interpretação está em harmonia com os princípios da prioridade absoluta e do melhor interesse da criança e do adolescente, ao reconhecer cada um como sujeito de direitos.
\r\n
\r\n \r\n
Seria desarrazoado atribuir a prática de crime único ao réu que corrompeu dois adolescentes, assim como ao que corrompeu apenas um.
\r\n ##REsp## 1.680.114
Ministro Sebastião Reis Júnior
Afastado o concurso formal entre embriaguez ao volante e direção sem habilitação
Sob relatoria do desembargador convocado Jesuíno Rissato, a Quinta Turma entendeu, ao julgar o HC 749.440, que não se aplicaria o concurso formal no caso de um homem condenado pelos crimes de embriaguez ao volante (artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro – CTB) e de direção sem habilitação (artigo 309 do CTB). Em primeira instância, a sentença determinou a condenação do réu por ambos os crimes em concurso material, resultando na soma das penas.
No STJ, o relator do caso destacou que os crimes têm objetividades jurídicas diferentes e momentos consumativos próprios: enquanto a embriaguez ao volante é um crime de mera conduta e perigo abstrato, a direção sem habilitação exige demonstração de perigo concreto. Assim, não há como reconhecer uma única ação ou intenção que una os dois delitos.
A Defensoria Pública de Santa Catarina sustentava que o acusado teria praticado uma só conduta – dirigir um veículo –, mesmo que estivesse simultaneamente alcoolizado e sem habilitação, o que, segundo a tese, atrairia a aplicação do concurso formal e uma pena menor.
No entanto, Rissato rejeitou as alegações, considerando que o caso envolveu condutas distintas, com desígnios autônomos e consequências independentes.
Pluralidade de vítimas, por si só, não impede o reconhecimento de crime único de latrocínio
A Terceira Seção decidiu, ao julgar o AREsp 2.119.185, que, sendo subtraído um só patrimônio, a pluralidade de vítimas da violência não impede o reconhecimento de crime único em caso de latrocínio. O entendimento representou uma inflexão na posição tradicional da corte, que até então admitia a possibilidade de concurso formal impróprio nessas situações, com base na quantidade de vítimas.
De acordo com os autos, o réu integrava organização criminosa altamente estruturada, composta inclusive por policiais militares da ativa, voltada à prática de assaltos a bancos no interior do Rio Grande do Sul. Durante a tentativa de fuga após um dos crimes, o veículo capotou, e o réu atirou contra os policiais que perseguiam o grupo.
Nas instâncias ordinárias, ele foi condenado à pena de 37 anos e dez meses, em regime inicial fechado, pela prática de três tentativas de latrocínio, em concurso formal impróprio (situação na qual os crimes ocorrem em um mesmo contexto, mas com dolo distinto em relação a cada vítima, e as penas são somadas como no concurso material).
Ao STJ, a defesa pediu a desclassificação da conduta para roubo tentado e resistência, o afastamento do concurso formal impróprio para reconhecimento de crime único e a redução da pena-base.
A relatora, ministra Laurita Vaz (aposentada), reconheceu que o entendimento das instâncias ordinárias estava alinhado à jurisprudência tradicional do STJ, segundo a qual o número de latrocínios deveria ser apurado com base na quantidade de vítimas da violência, independentemente do número de patrimônios subtraídos. A ministra sublinhou, porém, que essa posição colidia com a orientação consolidada do Supremo Tribunal Federal (STF), que considera haver crime único quando há apenas uma subtração patrimonial, ainda que o animus necandi (intenção de matar) tenha sido dirigido a mais de uma pessoa.
Diante disso, Laurita Vaz votou pela superação do entendimento anterior do STJ (overruling), para adequá-lo à posição do STF. No caso em julgamento, embora tenha sido reconhecida a intenção autônoma de matar mais de uma vítima, a ministra concluiu que o concurso formal impróprio não se aplicaria, consoante ao entendimento do STF.
"No entanto, é inviável o reconhecimento de crime único, porque foram atingidos dois patrimônios distintos. Nesse contexto, deve ser reconhecida a prática de dois delitos de latrocínio, na forma tentada, em concurso formal próprio, pois não foi mencionado pela corte de origem que também teria havido autonomia de desígnios em relação às subtrações patrimoniais, mas tão somente no tocante ao animus necandi", completou.
Desígnios autônomos do concurso formal impróprio abrangem dolo direto e eventual
Em 2024, a Quinta Turma, ao julgar o AREsp 2.521.343, consolidou o entendimento de que os desígnios autônomos que caracterizam o concurso formal impróprio podem decorrer de qualquer forma de dolo, direto ou eventual. A decisão teve como pano de fundo um caso envolvendo um motorista que, ao dirigir em alta velocidade por uma das principais avenidas de Sorocaba (SP), causou um acidente do qual resultaram a morte do condutor de outro veículo e lesões graves em sua passageira.
Condenado inicialmente a sete anos de reclusão, o motorista teve sua pena elevada para dez anos pelo TJSP. A corte reconheceu a existência de desígnios autônomos, ou seja, a intenção de produzir resultados distintos em relação às duas vítimas, ainda que por meio de uma única ação. Com base na parte final do artigo 70 do Código Penal, determinou-se a soma das penas pelos crimes de homicídio consumado e tentado.
No recurso ao STJ, a defesa alegou que o acórdão do TJSP incorreu em presunção ao concluir pela existência de desígnios autônomos, baseando-se apenas na pluralidade de vítimas. Argumentou não haver provas de que o réu tenha direcionado dolosamente sua conduta para cada uma das vítimas de forma individualizada, especialmente por se tratar de dolo eventual. Assim, sustentou que seria inaplicável a regra do concurso formal impróprio.
O ministro Reynaldo Soares da Fonseca, relator, ressaltou que, embora tenha sido reconhecido o dolo eventual em relação às duas vítimas, havia desígnios autônomos na conduta do réu. No caso, ele assumiu conscientemente o risco de causar morte ou lesão grave à passageira, e, ao mesmo tempo, aceitou a possibilidade de produzir resultado idêntico em relação a terceiros.
O relator explicou que, embora parte da doutrina sustente ser possível o concurso formal próprio entre crimes dolosos quando ao menos um deles for praticado com dolo eventual – sob o argumento de que apenas o dolo direto revelaria desígnio autônomo e justificaria o cúmulo de penas –, o STJ mantém posição mais restritiva. Como esclareceu o ministro, prevalece na corte o entendimento de que o concurso formal próprio, ou perfeito, só é admissível quando ambos os crimes forem culposos ou quando houver combinação entre crime doloso e culposo.
\r\n
\r\n \r\n
Se o agente pretende alcançar mais de um resultado ou anui com tal possibilidade, como na situação em análise, configura-se o concurso formal impróprio ou imperfeito, pois caracterizados os desígnios autônomos.
A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que a intervenção da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) nas ações de adoção de criança indígena, ainda que obrigatória, não atrai automaticamente a competência da Justiça Federal.
O colegiado entendeu que esse tipo de situação não envolve disputa em torno de direitos indígenas e que o melhor interesse da criança ou do adolescente recomenda a análise do caso pela Justiça estadual, uma vez que as Varas de Infância e Juventude contam com equipe técnica especializada e têm condições de acompanhar o processo de forma mais adequada.
O conflito de competência julgado pela turma teve origem em ação de adoção movida por um indígena que cuida da criança desde o nascimento, pois convive em união estável com a mãe dela.
A ação foi ajuizada na Justiça estadual do Pará, que, devido à necessidade de intervenção da Funai, declinou da competência para a Justiça Federal. O juízo federal, contudo, suscitou o conflito no STJ por entender que a intervenção da autarquia não altera a competência e que a manutenção do processo na Justiça estadual atende ao melhor interesse da criança.
Participação da Funai não é mero formalismo processual
A relatora do conflito, ministra Nancy Andrighi, explicou que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 28, parágrafo 6º, inciso III, determina que, na hipótese de procedimento de guarda, tutela ou adoção de criança ou adolescente indígena, é obrigatória a intervenção e oitiva de representantes do órgão federal responsável pela política indigenista perante a equipe multidisciplinar que acompanhará o procedimento.
Segundo a ministra, a presença da Funai em tais casos possibilita a melhor verificação das condições e particularidades da família biológica, a fim de propiciar o adequado acolhimento do menor na família substituta.
A intervenção obrigatória da Funai, para a relatora, configura não uma simples formalidade processual, mas um "mecanismo que legitima o processo adotivo de criança e adolescente oriundos de família indígena".
Vara de Infância e Juventude tem melhores condições de avaliar o processo
Nancy Andrighi destacou que a Constituição inclui entre as competências da Justiça Federal as demandas nas quais as autarquias federais sejam autoras, rés, assistentes ou oponentes, bem como aquelas que envolvem disputa em torno de direitos indígenas.
Ela lembrou que o STJ já se manifestou no sentido de que a competência federal se refere aos direitos indígenas elencados no artigo 231 da Constituição. Da mesma forma, ressaltou que o Supremo Tribunal Federal (STF) entende que a Justiça Federal só será competente quando "o processo versar sobre questões diretamente ligadas à cultura indígena e ao direito sobre suas terras, ou quando envolvidos interesses da União".
"Na ação de adoção de criança indígena, portanto, a Funai não exerce direito próprio, não figurando como autora, ré, assistente ou oponente. Trata-se, em verdade, de atuação consultiva perante a equipe multidisciplinar que acompanhará a demanda (artigo 28, parágrafo 6º, ECA)", afirmou.
Segundo a relatora, a ação de adoção não afeta direitos indígenas, mas sim o resguardo da integridade psicofísica da criança ou do adolescente. Esse procedimento, avaliou, diz respeito a direito privado, uma vez que trata de interesse particular do menor de origem indígena.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
A exibição indireta e acessória, em peça publicitária, de um grafite feito em espaço público, sem a autorização prévia do artista, não caracteriza violação de direitos autorais.
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso de um artista que pedia a condenação por danos materiais e morais da empresa administradora da plataforma de vídeos TikTok, devido à exibição de um grafite de sua autoria no local conhecido como Beco do Batman, na vila Madalena, em São Paulo, durante um filme publicitário de divulgação da própria plataforma. O beco é famoso por seus muros decorados com grafites de diversos artistas.
O recorrente ajuizou a ação de reparação de danos em 2022, alegando que a empresa teria violado seus direitos com a inserção não autorizada de uma de suas pinturas na ação publicitária. Pediu a indenização de R$ 18 mil por danos materiais e R$ 15 mil por danos morais.
Contudo, tanto o juízo de primeiro grau quanto o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) julgaram os pedidos improcedentes, considerando que não houve ofensa aos direitos autorais.
Grafite é protegido pela Lei de Direitos Autorais
O relator do caso no STJ, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, comentou que o grafite, uma manifestação artística urbana que ocupa posição de destaque no cenário cultural contemporâneo, também é protegido pela Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/1998).
Assim como merece toda a proteção conferida pela lei – ressaltou o ministro –, o autor do grafite também tem seus direitos sujeitos às limitações do mesmo diploma legal, como a prevista no artigo 48, que assegura a livre ##representação##, em fotos e produtos audiovisuais, das obras situadas permanentemente em logradouros públicos.
"Essa regra não se traduz na ampla permissão para o uso da obra de terceiro com propósito eminentemente comercial, ou seja, segue vedada qualquer tentativa de exploração econômica da obra por meio das mais variadas formas, visto que tal direito pertence exclusivamente ao autor da obra artística e, eventualmente, a seus sucessores", declarou.
Uso indireto e acessório do grafite na peça publicitária
Contudo, no caso em análise, o ministro verificou que o uso da obra se deu de forma indireta, apenas como pano de fundo para a apresentação de um dançarino, não caracterizando uma tentativa de reprodução do grafite. Além disso, o relator destacou que não houve prejuízos à exploração normal da obra nem aos legítimos interesses do autor.
Ambas as instâncias ordinárias – observou Villas Bôas Cueva – foram firmes ao indicar quea ##representação## indireta do grafite teve natureza meramente acidental e acessória, bem como não ficou configurado o fim lucrativo na utilização do painel; e que a apresentação do dançarino contratado foi, na verdade, o foco real da peça publicitária.
Entre os dias 16 e 30 de junho, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai realizar uma consulta pública para definir quais metas devem ser priorizadas pelo tribunal em 2026. A enquete pode ser acessada aqui.
Aqueles que responderem à consulta poderão escolher até três dos 11 macrodesafios propostos pelo Poder Judiciário. Os resultados servirão como referência para as propostas de metas a serem apresentadas pelo STJ no 19º Encontro Nacional do Poder Judiciário, previsto para ocorrer em dezembro.
Desde 2017, o STJ promove a consulta para receber sugestões da sociedade, com o objetivo de definir os desafios que devem ser priorizados pela corte em relação às metas nacionais do Judiciário. A medida busca incentivar uma gestão participativa e democrática na elaboração das metas nacionais.
Posteriormente, os resultados poderão ser acessados a partir do menu Institucional do portal do STJ, na barra superior do site, na opção Consultas Públicas.
A exposição Além das Lentes, produzida pelos cinco fotógrafos do Superior Tribunal de Justiça (STJ), está em seus últimos dias de visitação. A mostra dos profissionais Emerson Leal, Gustavo Lima, Lucas Pricken, Max Rocha e Rafael Luz, permanecerá aberta até a próxima quarta-feira (25), das 9h às 19h, no Espaço Cultural STJ.
Com curadoria do ministro Sebastião Reis Júnior, essa é a primeira exposição artística promovida pelo STJ que é integralmente composta por obras dos fotógrafos da corte. As fotografias retratam a vida cotidiana, o meio ambiente e cenários surrealistas.
O Espaço Cultural STJ fica localizado no mezanino do Edifício dos Plenários (segundo andar), na sede do tribunal. Mais informações podem ser obtidas na Assessoria de Cerimonial e Eventos, nos telefones (61) 3319-6212 / 6764.
A página da Pesquisa Pronta, produzida pela Secretaria de Jurisprudência, divulgou uma nova edição, com destaque para dois entendimentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
O serviço tem o objetivo de divulgar as teses jurídicas do STJ mediante consulta, em tempo real, sobre determinados temas, organizados de acordo com o ramo do direito ou em categorias predefinidas (assuntos recentes, casos notórios e teses de recursos repetitivos).
A Pesquisa Pronta está permanentemente disponível no portal do STJ. Para acessá-la, basta clicar em Jurisprudência > Pesquisa Pronta, a partir do menu na barra superior do site.
"Jovens, travem em suas profissões o bom combate. Comprometam-se, como juristas, em defender a ideia de que o direito é uma coisa bela e que sem ele não há como a sociedade sobreviver". O conselho foi dado pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Og Fernandes, ex-vice-presidente da corte, durante o I Congresso Nacional de Direito Aduaneiro, Marítimo e Portuário, promovido pelo Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Na última quinta-feira (12), ele recebeu da entidade uma homenagem pelos seus 44 anos de dedicação à Justiça.
A presidente do IAB, Rita Cortez, entregou ao ministro uma placa alusiva à sua trajetória no Poder Judiciário, cujo texto destaca o papel do homenageado na defesa da democracia, expressando a admiração pelo legado de ética e pela contribuição inestimável na construção de uma sociedade mais justa e plural.
A mesa do evento também contou com a presença do diretor de Relações Institucionais do IAB, Adilson Pires; da presidente da Comissão de Direito Aduaneiro, Marítimo e Portuário, Camila Mendes Vianna Cardoso; do presidente da Comissão de Direito Marítimo, Portuário e do Mar da Ordem dos Advogados do Brasil/RJ, Godofredo Mendes Vianna; do professor do Centro de Ensino Unificado de Brasília (Ceub) Ricardo Victor Ferreira Bastos; e do doutor em direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (Espanha) Fabio Luiz Gomes, responsável pela indicação da homenagem.
Sobre o ministro
Natural do Recife, Og Fernandes se formou em direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e em jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).
Antes de se tornar ministro, atuou como repórter, professor, advogado, juiz e desembargador. Foi presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) em 2008, ano de sua nomeação para o STJ.
Atualmente, compõe a Corte Especial, a Terceira Seção e a Sexta Turma do tribunal. Já integrou colegiados de direito público (Segunda Turma e Primeira Seção). De agosto de 2022 e agosto de 2024, atuou nas funções de vice-presidente do STJ e do Conselho da Justiça Federal (CJF) e de diretor do Centro de Estudos Judiciários (CEJ/CJF).
Sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.255), a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que o delito de falsa identidade, previsto no artigo 307 do Código Penal, é crime de natureza formal, que se consuma quando o agente fornece, consciente e voluntariamente, dados inexatos sobre sua real identidade. Sendo assim, a caracterização da conduta independe da obtenção de vantagem para si ou para outrem, bem como de prejuízo a terceiros.
O relator do ##repetitivo##, ministro Joel Ilan Paciornik, explicou que o crime de falsa identidade tutela a fé pública na individuação pessoal, ou seja, a confiança que se tem, nas relações públicas ou privadas, quanto à identidade, à essência, ao estado civil ou outra qualidade juridicamente relevante da pessoa.
Segundo o magistrado, esse tipo penal exige a prática de uma conduta comissiva somada a uma vontade consciente de atribuir a falsa identidade a si mesmo ou a outra pessoa. Além disso, prosseguiu, é necessário verificar se o delito está associado à finalidade de obter algum tipo de vantagem ou causar dano a alguém.
Retratação do agente e alegação de autodefesa
No entanto, o relator lembrou que já existe entendimento doutrinário e posição consolidada da jurisprudência do STJ no sentido de que a efetiva obtenção do fim pretendido pelo agente é irrelevante para a configuração do crime, devido à sua natureza formal.
"Portanto, a consumação delitiva ocorre assim que o agente inculca a si ou a outrem a falsa identidade, sendo irrelevantes a causação de prejuízo ou a obtenção de efetiva vantagem pelo agente. É indiferente, para a consumação típica, o fato de o destinatário da declaração falsa verificar, em sequência, a real identidade do indivíduo, ou mesmo ter o próprio agente se identificado corretamente em momento posterior", destacou Paciornik.
O ministro esclareceu que a eventual retratação do agente não afasta a tipicidade da conduta, nem justifica a aplicação do instituto do arrependimento eficaz, pois o crime de falsa identidade já se encontra consumado.
Outro ponto destacado por Paciornik quanto à tipicidade se refere à hipótese de atribuição da falsa identidade perante autoridade policial com base no princípio constitucional da autodefesa. Nesse caso, ele mencionou a Súmula 522 do STJ, além de precedentes da corte (Tema 646) e do Supremo Tribunal Federal (Tema 478) que rejeitam essa possibilidade.
Réu informou nome falso a policiais durante abordagem
Interposto pelo Ministério Público de Minas Gerais, o recurso representativo da controvérsia (##REsp## 2.083.968) diz respeito a um homem acusado de fornecer nome falso a policiais durante uma abordagem. Contudo, antes do registro do boletim de ocorrência e do interrogatório na delegacia, ele revelou sua verdadeira identidade.
Em primeiro grau, o réu foi condenado pelo crime de falsa identidade, mas o Tribunal de Justiça de Minas Gerais decidiu absolvê-lo por entender que a conduta não teve nenhuma repercussão administrativa ou penal.
"A retratação posterior do agente quanto à sua identidade, ainda que antes do registro do boletim de ocorrência, não tem o condão de tornar atípica a sua conduta, nem mesmo sob o pálio do instituto do arrependimento eficaz. Isso porque o delito já se encontra consumado com a simples atribuição de falsa identidade pelo agente, independentemente da verificação de ulteriores consequências", concluiu o ministro ao dar provimento ao ##recurso especial##.